Tem gente que nasce para o ofício! Quando o pernambucano Nelson Rodrigues (1912 – 1980) começou o trabalho como jornalista, ainda não existia curso profissionalizante pra tal área. Jornalismo era algo muito mais pessoal; ou a pessoa sabia fazê-lo ou permaneceria sem saber.Como jornalista, ele sabia intervir na sociedade, influenciá-la intelectualmente e expor conflitos, não só aqueles de cunho político, social e econômico, mas conflitos pessoais e internos, alguns abjetos, que muitas vezes não reconhecemos por falta de autoconhecimento ou por excesso de pudor.
Samuel Wainer, dono do antigo jornal “Última Hora”, convidou Nelson Rodrigues para ser seu colunista, em 1950. O que deveria ser uma coluna policial, fiel à realidade, acabou se tornando algo muito próximo de um folhetim sob o nome de “A vida como ela é...”, mas nem por isso seus textos se afastaram da realidade. Não eram como os folhetins de Machado de Assis. Neste espaço, eram abordados temas como sexo, inveja, adultério, obsessão e ciúme – desmascarando e subvertendo a conservadora sociedade suburbana e burguesa da época.
A realidade vai além do óbvio. As manchetes dos jornais, algumas vezes, não correspondem à realidade diária de muitas pessoas e, em outras vezes, evitam assuntos de interesse comum. Os contos do jornalista, publicados no jornal “Última Hora”, estão mais para relatos imaginários do cotidiano do que para ficção propriamente dita, fruto do olhar jornalístico de Nelson Rodrigues aliado ao seu olhar ficcionista, proveniente dos trabalhos que desenvolveu como dramaturgo, na captura das entrelinhas do cotidiano.
Por mais moderno que o mundo se apresente, ainda existem tabus, aparências e confrontos morais que apesar de gerarem –muitas vezes com resistência- impactos diferentes na sociedade de hoje, partem dos mesmos dilemas individuais e morais, quando comparados a década de 50. E é por isso que a “ficção” dessas narrativas é uma leitura prazerosa e reflexiva e ainda faz tanto sucesso.
As histórias já tiveram o formato de um programa de rádio e, hoje, são encontradas em livros: “Cem contos escolhidos – A vida como ela é” (em dois volumes pela editora J. Ozon), “Elas Gostam de Apanhar” e “ A vida como ela é...”, ambas pela Editora Agir.
Para complementar a leitura (ou se faltar coragem para ela), um dos contos, “A Dama da Lotação” foi adaptado pelo cinema em 1978, que conta no elenco com Sônia Braga, Nuno Leal Maia, Jorge Dória , Paulo César Pereio e tem direção de Neville de Almeida. A TV Globo adaptou contos da mesma coletanea, disponível em DVD duplo.
Yasmin Gomes