domingo, 7 de junho de 2009




A Construção da História

1.

O Presidente


Getúlio propôs:
“Por que tu não fazes um jornal?”

Samuel Wainer havia avisado Vargas que a imprensa era sua inimiga e que, nela, ele só seria má notícia. O ano era 1951. Getúlio era novamente presidente, pela primeira vez eleito democraticamente, apesar da oposição de todos os veículos jornalísticos da época. Samuel e ele haviam se tornado amigos há dois anos, na fazenda Santos Reis, em São Borja, cidade natal de Vargas, no Rio Grande do Sul. Ali, Wainer realizara a entrevista que trouxera Getúlio de volta à cena política brasileira e, dois anos depois, ao poder. Desde então, o político gaúcho pretendia recompensá-lo.




Samuel Wainer e Getúlio Vargas



Em março de 1949, Assis Chateaubriand havia incumbido Wainer de ir até o interior do Rio Grande do Sul para fazer uma grande reportagem sobre o trigo. Nela, o repórter teria que provar que o Brasil jamais poderia ser autossuficiente na produção da commodity, como interessava a Chateaubriand.

Após entrevistar fazendeiros, produtores e técnicos, Wainer concluiu que a posição de seu chefe era insustentável. E que, pior ainda, seria não defendê-la em O Jornal, veículo onde trabalhava dentro dos Diários Associados, conglomerado de mídia de Assis Chateaubriand.

“Salvou-me desse impasse”, afirma Wainer, “a providencial ideia de tentar uma entrevista com Getúlio Vargas”, pois, ao chegar a São Borja, o repórter do O Jornal havia sido informado que o ex-presidente e atual senador da República pelo Rio Grande do Sul vivia ali e não falava com a imprensa há dois anos, desde 1947.

Getúlio aceitou recebê-lo. “Ele [Samuel Wainer] estava no lugar certo, na hora certa. A entrevista com Getúlio Vargas foi um grande golpe de sorte, que comprova isso. Ele estava próximo dele no momento em que ele diria tudo aquilo para o caseiro, até mesmo para uma cabra.”, afirmou o jornalista Augusto Nunes, autor de Minha Razão de Viver, o livro de memórias de Samuel Wainer. Na entrevista, Vargas falou sobre o momento político do Brasil – a respeito do qual era informado em sua propriedade – e sentenciou:

“Eu voltarei”

A comoção nacional iniciada com a publicação da entrevista – que fez O Jornal 180.000 exemplares, quando sua tiragem média era de 9.000 – levou Vargas a cumprir a promessa. Ele venceu as eleições realizadas no dia 3 de outubro de 1950 com 48,7% dos votos, derrotando Eduardo Gomes, da UDN (União Democrática Nacional), que obteve 29,7% dos votos e Cristiano Machado, do PSD (Partido Social Democrata), com 21,5% dos votos.


Uma grande vitória, sobretudo pelo completo isolamento midiático em que foi colocado Vargas ao longo da campanha eleitoral. Segundo Nunes, “A vitória de Getúlio em 1950 prova que imprensa não é o quarto poder. Tanto que não apenas Getúlio fora eleito em oposição a ela, mas também Leonel Brizola [para o governo do Rio de Janeiro, nos anos 80], e o Lula [para a presidência da República], em 2002. Ela não manda, mas pode atrapalhar muito. A imprensa a favor de um governo só não é pior que o humor a favor. Por isso, o Luis Fernando Veríssimo matou a Velhinha de Taubaté, uma personagem excelente, divertidíssima. Ela acreditava em tudo aquilo que os outros governantes diziam. Quando Lula ascendeu e estourou o escândalo do mensalão, ela iria acreditar também, sendo que o Veríssimo apoiava o Lula e o PT? Não tinha como. Por isso ele a matou e justificou dizendo que era o fim de qualquer esperança. “O Pasquim”, por sua vez, morreu com a ascensão do Brizolismo. Eles apoiavam Leonel Brizola, quando ele ascendeu, não havia mais a quem criticar, com quem brincar.”

O retorno de Vargas à cena política, como presidente da República, deixou Samuel orgulhoso de si. Ele, agora, via agora outro Getúlio. Não o considerava mais a “encarnação do mal”, como nos tempos do Estado Novo, quando Vargas anulou a Constituição de 1934 e, apoiado pela classe dominante, governou o país de maneira ditatorial, com a imprensa e a propaganda sob censura e a repressão de movimentos sociais. Para Samuel, Getúlio, nesse período de reclusão, havia se tornado um nacionalista convicto, consistente, disposto a consolidar a burguesia nacional e fazer justiça social.

Iniciado no dia 10 de novembro de 1937, com o impedimento da entrada dos parlamentares no Congresso e a leitura da nova Carta Constitucional, o Estado Novo durou até a renúncia de Getúlio, em 1945, quando o presidente não tinha mais condições de manter-se no poder, dadas as pressões que sofria dentro e fora do governo.

Nesses oitos anos de ditadura, foram criadas a Rádio Nacional – que veio a se tornar a maior e mais influente do Brasil – e, no final do governo, os partidos que comporiam a cena política do Brasil até o golpe de 1964: o PSD, o PTB (de Getúlio e JK) e a UDN, a principal oposição a Vargas e JK, liderada por Carlos Lacerda.

E era essa oposição protagonizada por Lacerda que desejava impedir a posse de Getúlio em 31/01/1951, o que preocupou os aliados do presidente eleito e sua filha, Alzirinha Vargas. Ao saber desses rumores, Getúlio não se preocupou. Apenas se precaveu. E pediu a Samuel:

“‘Bem, tu conheces o meu pensamento. Redija a entrevista, com pergunta e reposta e, logo mais, após o jantar, vamos revê-la em conjunto’”.

Nela, “Vargas” prometia respeitar a democracia, reafirmava a crença nas Forças Armadas Brasileiras, acenava para a oposição e prometia acordos de paz com os Estados Unidos. Após lê-la, o presidente eleito disse ao jornalista:

“‘Espero te recompensar pelos serviços que me prestasse’”, outra promessa cumprida, pouco tempo depois de tomar posse como presidente da República.

Os companheiros de Vargas, porém, não eram os únicos com aflições para cuidar após sua eleição. Ao vê-lo novamente no poder, Chateaubriand (vulgo Chatô) assustou-se. Mesmo assim, decidiu seguir em frente com a tradição de manter boas relações com quem estivesse no poder e pediu a Wainer que o apresentasse a Getúlio. Wainer aceitou.

“Uma rara insegurança tomou Chateaubriand”, conta Samuel no livro. Mas esta se desfez logo, no contato com Getúlio. “Vargas era um animal político destituído de emotividade, não tinha reminiscências, não tinha idiossincrasias. Getúlio não teria, portanto, maiores problemas para entender-se com Chatô, mas [inicialmente] o dono dos Diários Associados não sabia disso.”, disse Wainer.

Logo desenvolto na presença do presidente eleito, Chateaubriand ignorou novamente do mérito de seu jovem repórter. Mesmo trazendo “um expatriado no fim do mundo” e voltando “com ele ao poder (...) na hora de colher os frutos desse trabalho, nem mesmo merecera um aumento de salário”, disse Samuel, que nunca teve a menor simpatia por Chatô.


Assis Chateaubriand



Chateado, Wainer foi caminhar pela avenida Atlântica, ainda sem o perigo dos assaltos, arrastões, granadas e balas perdidas. 1951. Copacabana era o centro cultural, a morada dos ricos e o lugar mais visitado do Brasil pelos gringos. Ali perto, até meados da década de 40, funcionou o Cassino da Urca, de Joaquim Rolla.


***

Periclitante em seu início, o Urca tornou-se o maior cassino do Rio – desbancando os cassinos Atlântico e do Copacabana Palace, ambos na avenida Atlântica – após contratar Carmen Miranda para apresentar-se nele com seus sambas, marchinhas, sandálias-plataforma. Ali, como crooners, as cantoras Emilinha Borba e a vedete Virgínia Lane iniciaram suas carreiras.


Mas, em 1951, a realidade musical era outra. Os artistas já não tinham os cassinos para se apresentar, apenas as casas de shows e os auditórios das rádios. Nem uma cota que obrigasse empresários do ramo a reservar 50% do seu espaço aos artistas nacionais, como determinara Getúlio em 1935. Os gêneros musicais favoritos do público eram os boleros e samba-canções (versão lamuriosa do samba). Os sambas e marchinhas estavam reservados ao carnaval. Quem quisesse música mais animada, picardia e sensualidade ao longo do ano que fosse assistir às revistas musicais nos teatros da praça Tiradentes.

Era o que Getúlio fazia – mas por apreciar vedetes. A sua favorita era Virgínia Lane, a estrela da companhia Walter Pinto, a maior companhia de Teatro de Revista da história do Brasil. Getúlio chamava Virginia de “A vedete do Brasil”. Difícil saber se pelo talento dela nos palcos ou na intimidade dos dois, que mantiveram um caso atrapalhado pela barriguinha dele. “Mas tudo se resolvia na horizontal”, afirma Virginia Lane até hoje.

No Cassino da Urca, Benjamin Vargas (o Bejo), irmão mais novo de Getúlio, acompanhado de militares amigos, fumava charutos, comia e bebia de graça e dava tiros para o alto. Atitudes que não davam prejuízo algum ao cassino – ao contrário de sua nomeação a chefe de polícia do Distrito Federal, feita por Getúlio, em 1945, o beijo da morte ao já vulnerável seu Estado Novo.


Com o fim da ditadura de Vargas, Eurico Gaspar Dutra é eleito presidente da República e determina a proibição dos jogos de azar no Brasil, por conta dos vícios da primeira-dama, Eunice Gaspar Dutra em apostas. Sem as roletas, baralhos e caça-níqueis para sustentar as apresentações musicais, os cassinos são obrigados a fechar. O prédio em estilo neoclássico que abrigava o Cassino da Urca vai para as mãos de Chateaubriand, em 1950, para abrigar a primeira emissora de TV da América Latina – a Tupi – e servir como veículo de oposição a Getúlio Vargas e Samuel Wainer, através do ódio e do talento retórico de Carlos Lacerda.

É o fim da era de ouro dos cassinos no Brasil. A noite da elite carioca transfere-se definitivamente para Copacabana, onde passaram a ser tomadas decisões que mudaram a história do Brasil. Como a de Samuel.
2.





O Jornal




Na avenida Atlântica, sem os tiros e os cassinos Atlântico e do Copacabana Palace, Wainer começou a ter certeza de que deveria ter o seu próprio jornal.



Poucas semanas depois, numa conversa com Vargas, Samuel disse a ele que era (foi) possível vencer as eleições sem qualquer apoio da imprensa, mas seria impossível governar com todos os veículos em oposição. Getúlio propôs que Samuel tivesse seu próprio jornal. E o jornalista, que desde o passeio pela avenida Atlântica planejava e ansiava por isso, respondeu:



“Em 45 dias, dou um jornal ao senhor”, disse Samuel. “O Última Hora começava a nascer, e eu a encontrar minha razão de viver.”.



Segundo o jornalista Augusto Nunes, “Samuel queria um jornal, queria o poder. Queria namorar mulheres bonitas, frequentar altas rodas, calçar mocassins, tudo o que sua origem pobre e judia não poderia lhe dar. Ele era um líder, ótimo montador de jornal e coordenador do mesmo, algo que se vê muito dentro da imprensa. Por vezes, um diretor de redação pode não ter o melhor texto, mas coordena a redação como ninguém, o que era o caso de Samuel. Ele foi genial na criação do seu jornal. O Última Hora foi o jornal certo na hora certa.”




Samuel na gráfica do Última Hora


Lançado com o slogan “Um jornal a serviço do povo”, o Última Hora era um vespertino eminentemente getulista. Samuel sabia, porém, que não bastaria que o seu jornal desse apoio irrestrito ao presidente sem ser um sucesso editorial. Para atrair o grande público, procurou fazer o que os grandes jornais da época não faziam: prestou serviços aos bairros pobres e à população carente, colocou manchetes sobre futebol na primeira página (até então só jornais sobre esportes faziam isso), fazia concursos e distribuía prêmios. Além disso, aumentou o salário dos jornalistas e vendeu o jornal a preço muito baixo – o que irritou ainda mais seus concorrentes. Em seu quadro de funcionários, estiveram, dentre outros, Rubem Braga, Paulo Francis, Jorge Amado e Nelson Rodrigues, com as suas histórias da “vida como ela é”, um dos grandes sucessos do jornal a partir de meados dos anos 50.


No início da década, porém, fora a coluna “O dia do presidente”, criada por Wainer e assinada pelo jornalista Luis Costa a principal responsável pelas vendas do jornal nas bancas.


Enquanto a coluna de Nelson contava histórias do cotidiano funesto, histérico e sanguinolento do subúrbio da Zona Norte carioca, a de Luis Costa falava sobre o dia-dia do presidente da República. Em pouco tempo, tornou-se uma “instituição nacional”, conforme dissera o jornal Correio da Manhã (o jornal preferido das elites cariocas, que deixou de circular em 1974). Além de ajudar a estabelecer o Última Hora no mercado jornalístico brasileiro, a coluna obrigou a imprensa a se render à popularidade de Vargas e foi copiada por outros jornais. O vespertino de Wainer, porém, continuava sendo o único veículo aliado ao presidente. E, segundo o jornalista Augusto Nunes, “o primeiro e único jornal popular do Brasil. E sem populismo, como fazia o Notícias Populares, com a história do bebê-diabo e coisas do tipo. Era um grande jornal”.



O Última Hora traria a Samuel o poder de influência e o prestígio desejados nos tempos de garoto pobre, filho de imigrantes judeus, do Bom Retiro e de repórter desprestigiado de O Jornal de Assis Chateaubriand. Traria também todas as forças para destruir essas conquistas, lideradas por um inimigo que desejava destruí-lo há algum tempo: Carlos Lacerda.


“Quando o Última Hora nasceu, o ódio de Lacerda por mim exacerbou-se”, conta Wainer.


Carlos Lacerda


3.


O Inimigo



Carlos Lacerda era da oposição a Getúlio desde o segundo governo do presidente, iniciado em 1934. Então filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), Lacerda fora um dos fundadores da ANL (Aliança Nacional Libertadora), movimento de oposição a Getúlio fundado em 1935 numa reunião no Teatro João Caetano, palco das vedetes e revistas musicais, e abortado no mesmo ano, pelas forças militares do governo.


No início dos anos 40, Lacerda fora expulso do PCB após uma reportagem sobre a história do partido que, mal interpretada, levou à perseguição política e morte de alguns filiados.


Certo de que nunca mais voltaria ao partido, dedicou-se ao jornalismo. Em 1943, fora contratado por Wainer para trabalhar na revista Diretrizes – da qual saiu, demitido por Samuel, quando o trabalho tornou-se quase impossível, por conta da arrogância de Lacerda, que vivia em conflito com outros membros da redação.



Demitido da revista, Lacerda passou a atuar como jornalista freelancer. Em fevereiro de 1945, burlou a censura do Estado Novo e publicou, no Correio da Manhã, uma entrevista com o escritor e político José Américo de Almeida, com fortes críticas à ditadura de Vargas e um convite à manifestação popular. Fora o início da queda da queda do Estado Novo de Getúlio, consumada com a nomeação de Benjamin Vargas para o cargo de chefe de polícia do Distrito Federal.


O rancor eterno de Lacerda a Samuel veio após uma negativa do último em publicar na Diretrizes uma carta de apoio a Vargas na guerra contra as nações do Eixo, dado que isso contrariava a linha editorial da revista.


A publicação carta na Diretrizes era a última chance que Lacerda tinha de voltar ao PCB (Partido Comunista Brasileiro). Diante da negativa do editor de Diretrizes, Lacerda reagiu com agressividade. Segundo Samuel, “Ele arrancou-me a carta das mãos e dirigiu-me um olhar que jamais esqueci. Era um olhar de frustração e ódio.”.


Ressentido, tempo depois, Carlos Lacerda filou-se à UDN (partido que representava a direita mais conservadora que havia no Brasil; o extremo oposto do PCB) e, nos anos 50, encontrou seus dois maiores inimigos, Samuel Wainer e Getúlio Vargas, juntos. Tomou a si o papel de principal força opositora a Vargas, Samuel e o Última Hora.


Assim como Getúlio, Samuel tinha toda a imprensa contra si. Na falta de um veículo de sucesso para bater em seus dois oponentes, já que seu jornal, A Tribuna da Imprensa, criado com dinheiro da UDN, era um fracasso, Lacerda utilizava-se de dois outros veículos que tinha à disposição: a Rádio Globo, do jornalista Roberto Marinho, e a TV Tupi, de Chatô – o qual, apesar do encontro que tivera com Vargas, pela primeira vez, não era aliado de um presidente.



As críticas a Samuel repercutiam. Lacerda sentia-se, e dizia-se, invencível. “Enquanto andávamos pelas ruas meio vazias de Copacabana, ouvíamos, vindo das TVs dos apartamentos escuros, a voz de Lacerda dizendo horrores sobre Samuel”, conta a cronista Danuza Leão, que fora casada com Samuel Wainer, em Quase Tudo, seu livro de memórias.


Disposto a destruir o Última Hora, seu dono e Getúlio, Lacerda lançou duas acusações: a primeira de que o Última Hora havia sido montado com operações de crédito fraudulento entre o grupo empresarial montado por Samuel para fazer o jornal e o Branco do Brasil; a segunda de que Wainer era, na verdade, estrangeiro, o que o impedia, de acordo com a legislação vigente até os dias de hoje, de ser dono ou sócio majoritário de um veículo de comunicação.

Vários foram os meios utilizados por Samuel para conseguir dinheiro suficiente para montar o Última Hora:


Primeiramente, Samuel Wainer teve que desembolsar 30.000 cruzeiros, com o qual comprou a gráfica do jornal Diário Carioca (que deixou de circular após o golpe de 1964, por opor-se ao regime vigente). O dinheiro veio em três partes: 10.000 cruzeiros foram conseguidos com Walter Moreira Salles, do antigo Banco Moreira Salles, hoje Itaú Unibanco; 10.000 com Evaldo Loudi e mais 10.000 com Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil na época e herdeiro do Banco Cruzeiro do Sul. Isso, porém, representava uma pequena parte dos recursos necessários para abrir o jornal.


Outra soma em dinheiro, no valor de 22.000 cruzeiros, para reformar a parte gráfica do jornal e comprar papel mais barato, fora emprestada a Wainer pelo Banco do Brasil e dera argumento para que Lacerda começasse a sustentar a ideia de que o vespertino de Wainer fora financiado pelo Banco do Brasil. Em repercussão às acusações feitas por Lacerda, os demais veículos começaram a temer que somente o Última Hora passasse a ser o único beneficiado pelo governo a partir de então – dado que o financiamento governamental à imprensa era uma praxe na época.



A maior parte do dinheiro para que o Última Hora fosse lançado, veio, porém, de “um homem que começava a crescer na cena política brasileira: Juscelino Kubistchek”, então governador de Minas Gerais. Por meio deste, Wainer conseguiu dinheiro de três bancos ligados ao governo daquele estado. “Eram, evidentemente, transações de caráter político, já que eu não tinha condições financeiras de obter tanto dinheiro daquela forma. O pagamento seria feito em publicidade”, conta Samuel.



Porém, fora o controle da falida Rádio Clube o que abalou Samuel Wainer. Para despistar seus inimigos a respeito da aquisição de comando da rádio, o dono do Última Hora transferiu as ações da rádio para o nome de Marcos Rebelo sem a autorização do governo federal (necessária, dado que o sinal de uma rádio é concessão pública, emitida pelo governo federal). Lacerda e Chateaubriand, ao saberem disso, intensificaram os ataques a Samuel, o que fez com que Getúlio, à surdina, buscasse distanciar-se do dono do Última Hora, e ordenasse que a concessão da rádio fosse tirada das mãos de Samuel. A ele, restaram apenas as dívidas da rádio, passadas para o seu grupo, que incluía o Última Hora do Rio e suas sucursais. Samuel, que freqüentava o Palácio do Catete (sede do governo), sem anunciar-se, viu-se desprestigiado pelo presidente.



“Ficou evidente que eu já não era o delfim de Getúlio. (...) se fosse necessário, Getúlio não hesitaria em sacrificar-me. Decidi que chegara a hora de fortalecer minha empresa e prepará-la para a eventualidade de ter de sobreviver sem a mão amiga de Vargas”, diz Wainer em Minha Razão de Viver.


Samuel não contava com a traição de Getúlio. “A relação dele com Getúlio foi diferente de todas as outras que Getúlio tinha. Eles eram cúmplices. Mesmo traído e abandonado por ele, Samuel nunca lhe guardou ódio, ainda que tivesse motivos. Seus elogios a ele, no livro, são totalmente sinceros”, afirma Augusto Nunes.


Apesar da traição de Getúlio, Wainer acreditava que derrotaria Lacerda e Chatô. E cometeu mais um erro. Para a alegria de seus dois inimigos, Samuel estimulou a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o Última Hora, um grande erro. Só com a CPI instalada é que ele percebeu quão frágil era a base governista e quão disposta ela estava a trair Getúlio Vargas, o verdadeiro foco da CPI e da perseguição a Wainer.

Em 12 de julho de 1953, o Diário de São Paulo publica em sua capa:


“Wainer não nasceu no Brasil”



Lacerda e Chateaubriand tiveram acesso a um documento retirado do Colégio Pedro II, em São Paulo, onde Wainer havia estudado. No documento, Arthur, irmão mais velho de Samuel, afirmava que esse havia nascido na Bessarábia e chegara ao Brasil com dois anos de idade. Para provar o contrário, Samuel e o irmão contaram com o depoimento de moradores do Bom Retiro, que o conheceram ainda bebê e afirmaram ter assistido à sua circuncisão, o que comprovaria a sua nacionalidade brasileira (já que a circuncisão é feita em recém-nascidos).

Temendo os danos que seu jornal viesse a sofrer, ainda em 1953, Wainer sugeriu a Getúlio o fim do Última Hora, por meio de um jogo político, ou que a dívida do grupo que detinha o jornal fosse executada pelo Banco do Brasil. Mas Getúlio demonstrou indisposição para cuidar do assunto. Quando Wainer deixou o Catete, sede do governo federal da época, “pressentindo que não voltaria a pisar” ali “até o final do governo de Getúlio”, este ordenou que a dívida fosse executada pelo Banco do Brasil. Wainer pediu que os demais jornais sofressem o mesmo. “Mas só a do Última Hora foi efetivamente executada”. E paga.


Samuel acabou absolvido na CPI sobre a origem do dinheiro que montou o Última Hora. Não por ser inocente. “O Última Hora recebeu dinheiro do Banco do Brasil, sim. Mas os outros veículos da época fizeram isso também. O que houve com o Samuel, para a abertura do Última Hora, era um retrato do que acontecia na época e por isso ele acabou absolvido no processo. Lembra bem o discurso do presidente Lula, há pouco tempo [abril de 2009], sobre as passagens aéreas [quando o presidente acusou a imprensa de perseguir o Legislativo e disse que era hipocrisia acusar a Câmara pelo uso indiscriminado de passagens aéreas, já que isso sempre fora feito].”, diz Augusto Nunes. Foi preso em primeira instância por falsidade ideológica – ao afirmar ser brasileiro –, mas solto tempo depois.


Getúlio e Samuel passaram a se falar apenas por meio de intermediários. Não havia mais espaço para intimidade entre eles. Mas os leitores do Última Hora jamais souberam disso. Em suas memórias, Wainer conta que “O jornal continuou fiel à linha editorial que sempre o orientou. (...) a figura de Getúlio deveria ser poupada de qualquer jeito”.

Gregório Fortunato, o chefe da segurança de Getúlio Vargas, com quem o presidente pouco simpatizava, teve uma ideia para solucionar os problemas enfrentados pelo seu governo: matar Carlos Lacerda. E ordenou que o fizessem – sem dizer nada a Getúlio.


No dia 5 de agosto de 1954, Lacerda e um major da Aeronáutica, são baleados na rua Toneleros (hoje chamada apenas de Tonelero, como se queixa Paulo Francis, em seu livro “O afeto que se encerra”, de 1980), em Copacabana. O telefone toca na casa de Samuel. É um repórter da Última Hora com más notícias para seu chefe: Lacerda havia sofrido um ataque e sobrevivera. Ao saber disso, Samuel deu um soco na mesa do telefone e disse, “merda”, como conta Danuza Leão em suas memórias.


“Lacerda soube utilizar-se teatralmente do episódio. (...) transformou seu quarto de hospital em centro de conspirações e comandou os desdobramentos da crise que levaria ao suicídio de Getúlio Vargas”, conta Samuel. Para começar, acusou Getúlio de ser o mandante do atentado. “Criou a então chamada ‘República do Galeão’, que passou a funcionar como uma delegacia paralela. As investigações apuraram que o mandante fora o chefe da segurança de Vargas, Gregório Fortunato”, relata Danuza em seu livro. A situação de Getúlio ficou insustentável. As forças armadas rebelaram-se de vez contra o presidente, exigindo sua renúncia.


Mesmo com Samuel distante do presidente, o Última Hora fez o que pôde para preservar a sua imagem e desvinculá-las das acusações feitas por Carlos Lacerda. E publicou no dia 23 de agosto de 1954, como manchete de capa a incitação de Getúlio ao confronto:



“Getúlio ao povo: só morto sairei do Catete”



Getúlio iria convocar o ministério para informar sobre sua renúncia. Mas o ódio a ele não esgotaria com ela. Benjamin Vargas seria, novamente, o que selaria a crise no governo do irmão.


Bejo havia sido chamado para depor na República do Galeão. E, abatido, sem a empáfia e truculência que caracterizavam seu comportamento nos tempos do Estado Novo, avisou Getúlio que ele seria o próximo. “Para um homem de 71 anos, tratava-se de uma humilhação insuportável.”, disse Samuel Wainer. Sem dizer nada ao irmão e melhor amigo, Getúlio, naquele momento, tomou a decisão mais inteligente da história política do Brasil.

Vestido num pijama de seda com listras de cor cinza, branca e carmim e mangas cumpridas, Getúlio, com a mão no bolso, passou pela filha Alzira e foi para o seu quarto, no último dos três andares do Palácio do Catete.
Relatou em carta sua decisão:

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
“Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
“Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da Eternidade e saio da vida para entrar na História.”


Em seguida, posicionou no bolso do pijama, no lado direito do peito, a arma que acariciava no bolso quando passou pela filha, e atirou, encerrando sua vida.

A capa do Última Hora no dia 24 de agosto de 1954 foi:





Edição extra do Última Hora com a carta de suicídio de Getúlio.



O jornalista Augusto Nunes, assim como muitos historiadores, considera que “O suicídio foi o gesto político mais inteligente da história do Brasil. Preparou o terreno para [Getúlio fazer] seu sucessor, JK, e adiou o golpe militar de Estado em dez anos.”.




A arma com que Getúlio Vargas se matou (Fonte:http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/fotos/GetulioVargas/revol.jpg)



4.


Projeção histórica


Em 1964, os militares, sob a bandeira anticomunista e com o apoio da burguesia, depuseram o presidente João Goulart (vice de JK e de seu sucessor, Jânio Quadros, que renunciou à presidência) e tomaram o poder, como um regime de exceção, sob o pretexto de restabelecer a ordem no Brasil. Em 13 de dezembro de 1968, o regime de exceção, então presidido pelo general Arthur da Costa e Silva, legitimou-se como uma ditadura ao instituir o AI-5, que, dentre outras coisas, dissolveu o Congresso e colocou a imprensa sob censura prévia.



Samuel Wainer

Grupos e figuras de oposição passam a ser perseguidos e torturados, produtos artísticos e ideias proibidos de circular, comunistas aderem à guerrilha para derrubar os militares e instaurar uma ditadura de esquerda. Milhares de brasileiros deixam o país – por imposição do governo militar ou por conta própria. Samuel, com a Guanabara (estado-capital criado após a inauguração de Brasília, correspondente, hoje, à cidade do Rio de Janeiro) governada por Carlos Lacerda e o Brasil por seus aliados, fora um deles – e vivera anos muito difíceis.
Última Hora. 14/12/1968.

Já separado de Danuza Leão – que se apaixonou por Antonio Maria, cronista de Última Hora, e pediu o divórcio – Samuel fora para a embaixada no Chile e, em seguida, para Paris. Divide 2/3 de suas ações do Última Hora (tanto o do Rio quanto de sucursais) entre Baby Bocaiúva, um dos sócios do jornal, e seu advogado. É traído pelos dois, que se unem e coagem Samuel a vender o 1/3 que lhe resta das ações do vespertino ou comprar as ações que havia transferidos aos dois. Para não perder o jornal que já não tinha valor algum diante do mercado editorial brasileiro, Samuel abriu mão do que ainda restava do seu patrimônio.


Nessa mesma época, a amizade com Juscelino também é desfeita. Rico e exilado após o golpe militar, JK uniu-se a Lacerda, antigo aliado e, então, novo inimigo dos militares brasileiros (por não ter sido aceito como sucessor de Castelo Branco, o primeiro presidente do regime), contra o governo militar. Segundo o próprio Juscelino, isso era necessário para a democracia do país.


Para Samuel, a relação entre os dois ex-inimigos era algo inaceitável, o que levou a afastar-se de JK.


Após uma carreira fracassada como produtor de cinema e o convívio com grandes figuras das artes e intelectualidade européias dos anos 60, Samuel volta ao Brasil em 1968. “Quando deu de cara com a paisagem deslumbrante da Lagoa, ele caiu em pranto”, conta Danuza Leão.


Logo, mudou-se para São Paulo. Trabalhou em diferentes redações, inclusive a do Última Hora paulista, quando esta já tinha outro proprietário.


Em 1977, após ter vendido o que ainda detinha do Última Hora, Wainer tornou-se conselheiro editorial e colunista da página 2 da Folha de São Paulo, onde esteve até morrer, dia 2 de setembro de 1980, aos 68 anos. Não houve inventário de bens. Como herança material, Samuel deixou apenas um aparelho de telefone. Como legado histórico, deixou 53 fitas onde contava a sua história, que pretendia transformar em um livro de memórias, chamado Por uma Razão de Viver. Mas não teve tempo para isso. Quem, então, decidiu transformá-las em livro foi sua filha, Pink Wainer. O jornalista Augusto Nunes, que escreveu o livro de memórias de Samuel, conta que “Pink procurava alguém para transcrever as fitas deixadas por seu pai e me pediu uma indicação. Ao ouví-las, tomei a mim o projeto de transcrevê-las e editá-las. Ao todo, transcritas, as gravações davam mais de 1.300 laudas. Como o próprio Samuel pretendia transformá-las em livros, a ordem dos eventos era completamente desordenada. Tanto que, ao fazer o livro, eu tive que checar informações, confirmar datas que se confundiam. A Pink não sabe, mas, no meio das gravações havia ainda duas laudas datilografas pelo Samuel Wainer. Começavam com algo do tipo ‘Eu devo a minha história a duas pessoas: Getúlio Vargas e Carlos Lacerda’. Não era um bom começo para o livro. Ao escrevê-lo, eu me preocupei em dar uma ordem narrativa, próxima a do roteiro cinematográfico, para torná-la mais envolvente.”. Além disso, o livro “tinha que ser em primeira pessoa, já que era feito a partir do depoimento de Samuel. Ouvi várias vezes as gravações, li e reli seus textos, para captar a sua maneira de falar e transpor para o livro o mais fiel possível à sua voz. Tive que reescrever tudo e organizar o material. Os diálogos, por sua vez, foram mantidos à exatidão do que estavam na fita. Compactei vários episódios e excluí outros; Preferi focar em grandes conflitos e relações como a dele com Carlos Lacerda. Esse material que não foi utilizado existe até hoje”.


Minha Razão de Viver, o título definitivo do livro, escolhido por ser mais sonoro que o anterior, foi publicado pela primeira vez em 1987. Para Augusto Nunes, o livro “foi, de fato, a primeira biografia brasileira. Nas outras, todos os biografados eram príncipes, sem falhas, sem erros. O Carlos Lacerda, em sua autobiografia, é um exemplo disso. Por sua honestidade, o livro causou bastante impacto na época. E fez escola. Depois dela, é que surgiram outros biógrafos, como o Ruy Castro, com “A Estrela Solitária” [biografia do jogador Garrincha], “O Anjo Pornográfico” [biografia de Nelson Rodrigues].”.


É mesmo uma biografia muito honesta. Nela, Wainer deixou de contar apenas a verdade sobre a sua nacionalidade, por conta das pessoas que lhe foram solidárias e mentiram no processo sobre o assunto. Ele pretendia que a verdade a esse respeito fosse revelada apenas 25 anos após a sua morte. Lacerda tinha razão em chamá-lo de bessarabiano. A Bessarábia, um país do leste europeu, era sua terra natal. Os arquivos do colégio Pedro II e o depoimento do irmão de Samuel eram verdadeiros.


Lacerda tinha também os seus apelidos. Wainer, e boa parte do Rio de Janeiro, inicialmente o chamavam de Corvo. Em seguida, passou a ser chamado de “Mata-Mendigos” (alcunha criada por Paulo Francis), por conta de sua ligação nos assassinatos de mendigos no Rio de Janeiro.


Amado Ribeiro, repórter do Última Hora (utilizado por Nelson Rodrigues em O Beijo no Asfalto, como exemplo de repórter inescrupuloso, o que muito o envaideceu), revelou imagens que ligavam Lacerda ao crime, impedindo-o de suceder Castelo Branco na presidência da República durante o regime militar.


Samuel e Lacerda se viram pela última vez em 13 de outubro de 1955, na fase final do processo sobre a nacionalidade do primeiro. Conforme o próprio Samuel conta no livro, “Ele [Lacerda] estava lívido, em momento algum olhou-me nos olhos. Eu, ao contrário, fiquei a observá-lo o tempo todo, contemplando o perfil do homem que na mocidade fora meu amigo e agora tentava destruir-me”. Neste processo, Wainer acabou condenado a um ano de prisão. O depoimento de seu irmão e dos antigos vizinhos do Bom Retiro, não foram o suficiente para inocentá-lo em 1ª instância. Foi absolvido, e liberto da cadeia, apenas em última instância, pelo Superior Tribunal Federal.


Lacerda foi a única pessoa de quem Wainer guardou rancor – tanto que nao conseguiu acreditar que era verdade a notícia de sua morte, em 21 de maio de 1977. Mas era.


Apesar do ressentimento, Samuel não renegava a importância de Lacerda para a sua projeção histórica. Considerava-o um dos três fatores que o levaram a ela. As outras duas: a entrevista com Getúlio Vargas, que o trouxe de volta ao poder, “nos braços do povo” e da criação de “um jornal tão revolucionário que sobreviveria a campanhas de extermínio e crises de todos os tipos”, o Última Hora. (Lacerda, aliás, carece de uma biografia honesta, afirma o jornalista e escritor Ruy Castro. “Mas eu não fazê-la”, disse. “A família do Lacerda já era ligada à política. Este é o trabalho de, no mínimo, cinco anos de pesquisa. E eu não quero passar cinco anos casado com o Lacerda”.).


Além do aparelho telefônico e das fitas, Samuel Wainer deixou a vontade de viver mais uma aventura dentro da imprensa: a criação de um jornal em São Bernardo do Campo, o epicentro do movimento sindical do final dos anos 70. Com o jornal, ele pretendia tocar na modernização do operariado brasileiro da época e iniciaria uma nova aventura, sua, afinal, grande razão de viver. Dificilmente, porém, este jornal seria mais significativo na biografia de Wainer que o anterior. “O Última Hora, com tudo o que ele representava, foi o seu grande momento e a sua grande paixão. Acima de qualquer coisa, do próprio jornalismo.”, diz Augusto Nunes.


No dia 3/09/80, o jornalista Samuca, segundo filho de Samuel, publica um texto na primeira página do Jornal do Brasil intitulado “Samuel Wainer, meu pai”.


Agora, o filho caçula de Samuel, Bruno Wainer, pretende adaptar Minha Razão de Viver para o cinema. “Eu disse ao Bruno que, por conta do trabalho de edição do livro, devo fazer o roteiro.”, diz Augusto Nunes, autor das memórias de Samuel.



Danilo Thomaz

Bibliografia:

Livros:
NUNES, Augusto. Minha Razão de Viver – Memórias de um Repórter. Editora Planeta. 2003.
LEÃO, Danuza. Quase Tudo. Companhia das Letras. Rio de Janeiro. 2005.
FRANCIS, Paulo. O Afeto que se Encerra. Editora Francis. 2005.
CASTRO, Ruy. Carmen – uma biografia. Companhia das Letras. 2005.
CASTRO, Ruy. O Leitor Apaixonado (“Vida e Morte do Correio da Manhã”). Companhia das Letras. 2009.
CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico (biografia de Nelson Rodrigues). Companhia das Letras. 1992.


Internet:
CPDOC/ FGV – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas: http://cpdoc.fgv.br/
Almanaque Folha de São Paulo: http://almanaque.folha.uol.com.br





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Com este post, o METAJORNALISMO despede-se de seus leitores. Esperamos ter prestado um bom serviço a vocês, explorando fatos pouco conhecidos sobre o jornalismo, trazendo fatos novos e auxiliando-lhes a ter um posicionamento mais crítico com relação à imprensa. Obrigado pelos acessos e comentários.



Danilo Thomaz

Editor-chefe

quinta-feira, 4 de junho de 2009

podcast METAJORNALISMO

O programa de rádio que estava faltando ao METAJORNALISMO - e à imprensa. Um espaço radiofônico onde as questões do jornalismo de ontem, hoje e de um provável amanhã são discutidas em meio à canções, aplausos, gritos, solenidades e intervenções técnicas. Além do quadro que irá para a CPI: "O que deve ir para a Petrobrás?" e "O que deve ficar bem longe da Petrobrás?" - dentro do jornalismo, claro. Ouçam e comentem. Por que comentar? Ouçam e saberão.


http://www.4shared.com/file/108356862/2d29cf24/PODCAST.html



Créditos:

Yasmin Gomes - mediadora e debatedora
Danilo Thomaz - redator e debatedor
Catharina Guadalupe - debatedora
Lilian Sanches - debatedora

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um pouco da história dos pasquins.

Pasquim: Jornal ou panfleto difamador. (dicionário Michaelis)



Muitas características marcaram os jornais durante a história da imprensa brasileira.
Havia jornais que eram tradicionais, com linguagem culta e sem extravagância, mas havia também pequenos jornais de nomes estranhos, de caráter humorístico, que levantavam grandes discussões principalmente em épocas de censura.

Por volta de outubro de 1822, a liberdade de imprensa volta a ser restringida. E a partir desta censura surgem os pasquins, que eram pequenos jornais-panfletos de vida efêmera que defendiam ideais de liberdade e luta, nos quais o Brasil viveu desde os tempos de Regência até a República. Possuíam linguagem violenta, que criticavam e denunciavam os males do governo da época, recorriam também à calúnia e ao insulto pessoal, tudo isto de forma cômica e descontraída para atrair e desenvolver o espírito crítico nos brasileiros.

A Regência foi marcada pelo período das Sociedades Políticas, e estas difundiam suas idéias por meio de jornais e pasquins. Por exemplo, a Sociedade Defensora da Liberdade e da Imprensa, que era integrada por membros do grupo Moderado, contava com os pasquins Aurora Fluminense, Astréia e O Sete de Abril; A Sociedade Federal que era composta pelos Exaltados, disseminavam suas idéias nos pasquins A Malagueta, Republico, O Grito dos Oprimidos e o Burro Aflito; E por fim a Sociedade Conservadora da Constituição Brasileira, que mais tarde de chamou Sociedade Militar, constituída pelos Restauradores, chefiados por José Bonifácio de Andrada e Silva (na foto acima), que dispunham dos pasquins O Brasil Aflito, O Soldado Aflito, O Tamoio Constitucional e O Caramuru.

Após o período regencial, os pasquins passariam a ter uma paixão doutrinária, passando a defender princípios abolicionistas e Republicanos.


O jornal O Pasquim.





Por volta de 1969, época do regime militar, com a mesma idéia satírica e politizada com críticas ao governo, surge O Pasquim, criado pelo cartunista Jaguar e pelos jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral, sendo o jornal mais influente de oposição à ditadura no Brasil, atingindo uma tiragem de 200 mil exemplares em meados dos anos 1970. O símbolo principal do jornal era o ratinho Sig (de Sigmund Freud), desenhado por Jaguar, que dizia : “...se Deus havia criado o sexo, Freud criou a sacanagem”.

Grandes figuras de destaque na imprensa participaram do jornal, como Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Prósperi, Claudius, Fortuna, Miguel Paiva, Hubert, Reinaldo e muitos outros.

Algumas charges da época:

Henfil









































Por falar sobre política e cultura de forma humorística, O Pasquim passou a atrair grande público, mas por ser um jornal de esquerda, desagradou o governo. Em 1970, a redação inteira foi presa por causa da publicação de uma sátira do quadro de Dom Pedro I as margens do Ipiranga. Com isso, os militares acharam que o jornal sairia de circulação, porém Millôr Fernandes, que escapara da prisão, conseguiu manter O Pasquim com o apoio de intelectuais cariocas. Mas com tantas ameaças mais as baixas publicações, o jornal estava próximo do fim, mas ainda sobreviveria a redemocratização de 1985.

Com o surgimento de jornais oposicionistas e novos conceitos de humor, O Pasquim chegou ao fim, tendo sua última edição em 1991, apesar dos esforços de Jaguar em manter o jornal ativo.

Isso não significou que O Pasquim tenha caído no esquecimento, o jornal ganhou um documentário produzido com recursos do governo chamado O Pasquim – A Subversão do Humor, que foi lançado em junho de 2004 e exibido pela TV Câmara. Em 2006 a Editora Desiderata lançou o livro O Pasquim – Antologia. 1969-1971, tendo um segundo volume em 2007, que cobre o período entre 1972 e 1973.


O documentário sobre o jornal O Pasquim, exibido pela TV Câmara. Para assistí-lo, clique no link abaixo:

http://www.camara.gov.br/internet/tvcamara/default.asp?selecao=MAT&Materia=17536




Ingrid Navarro

Fontes das fotos:

http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/jose-bonifacio/imagens/jose-bonifacio-8.jpg
http://spectrum.weblog.com.pt/arquivo/pasquim.jpg
http://www.universohq.com/cinema/images/henfil_profissao_cartunista2.jpg
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_b4OphGQIoombxzuhMNH3Z3itaVSaLgemyQsaAixquo_tOjdMbJL99aM-Br40N6NtaMOIvTkcjRXQLnlGpIGIwme4k9bO3Wy3bLFnH0TLR_6PnlPqdM9xWbNkdB6qUDL6IcAyA3r19GkW/s400/000g3003.jpg
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